domingo, 31 de agosto de 2008

Só por diversão

A literatura no sertão



GRACILIANO RAMOS - biografia
Primogênito de dezesseis filhos do casal Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ramos, viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro. Terminando o segundo grau em Maceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista. Volta para o Nordeste em setembro de 1915, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casa-se com Maria Augusta de Barros, que morre em 1920, deixando-lhe quatro filhos.

Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Manter-se-ia no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Segundo uma de suas auto-descrições, "(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas." Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Schmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).

Entre 1930 e 1936 viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial e diretor da Instrução Pública do estado. Em 1934 havia publicado São Bernardo, e quando se preparava para publicar o próximo livro, foi preso em decorrência do pânico insuflado por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de 1935. Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar Angústia (1936), considerada por muitos críticos como sua melhor obra.

É libertado em janeiro de 1937. As experiências da cadeia, entretanto, ficariam gravadas em uma obra publicada postumamente, Memórias do Cárcere (1953), relato franco dos desmandos e incoerências da ditadura a que estava submetido o Brasil.

Em 1938 publicou Vidas Secas. Em seguida estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetor federal de ensino. Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil - PCB (que nos anos sessenta dividiu-se em Partido Comunista Brasileiro - PCB - e Partido Comunista do Brasil - PCdoB), de orientação soviética e sob o comando de Luís Carlos Prestes; nos anos seguintes, realizaria algumas viagens a países europeus com sua segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, retratadas no livro Viagem (1954). Ainda em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico.

Adoeceu gravemente em 1952. No começo de 1953 foi internado, mas acabaria falecendo em 20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de câncer do pulmão.

O estilo formal de escrita e a caracterização do eu em constante conflito (até mesmo violento) com o mundo, a opressão e a dor seriam marcas de sua literatura.

Baleia
Graciliano Ramos

A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de roscas, semelhante a uma cauda de cascavel.
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tensão de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:
— Vão bulir com a Baleia?
Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.
Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.
Quiseram mexer na taramela e abrir a porta, mas Sinhá Vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os pequenos resistissem, aperreou-se e tratou e subjugá-los, resmungando com energia.
Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia.
Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as
pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia.
Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como Sinhá Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga:
— Capeta excomungado.
Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens.
Pouco a pouco a cólera diminuiu, e Sinhá Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável.
Nesse momento Fabiano andava no copiar, batendo castanholas com os dedos. Sinhá Vitória encolheu o pescoço e tentou encostar os ombros às orelhas. Como isso era impossível, levantou os braços e, sem largar o filho, conseguiu ocultar um pedaço da cabeça.
Fabiano percorreu o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis:
— Ecô! ecô!
Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.
Ouvindo o tiro e os latidos, Sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se.
E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos.
Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda.
Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros.
Caiu antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas.
Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis.
Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra.
Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se.
Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.
Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinham fugido.
Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão.
Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.
O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sossegou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.
Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera.
Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.
Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo.
Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado.
Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto, e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.
Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha.
A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

OI galera, aqui estão informações importantes!

Olá, galera.
Os trabalhos estão muito legais e nossos blogs estão "envenenados".
Provavelmente, daqui algum tempo eu tenha que transformar os blogs em portais na net.
Moçada, tenho algumas dicas para serem seguidas nos trabalhos digitais:
  • Nunca esqueça de mostrar a referência;
  • Fazer a revisão do texto;
  • Colocar o seu nome no arquivo;
  • Usar sua criatividade;
  • Fazer com amor;
  • Pedir ajuda, pois isso é uma virtude.
Gostaria que vocês me desses algumas dicas para deixarmos nossos blogs mais atrativos e que eles sirvam de ponto de encontro entre nós (vamos deixar de lado esses sites de paísem imperialistas, como orkut ou msn - "blogger também é"! parecemos barrocos heheehh).
Vocês podem dar dicas de sites interessantes, lembrem que nossos blogs podem servir para descontração.
É isso "aí"! Vamos dominar a net e fazer acontecer!
Com muito amor, Professor Ramon.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Iniciando o segundo bimestre!

Muito bem meus caros amigos de sala de aula, estamos começando um novo bimestre e como cada início é um novo começo (nossa, que pleonasmo) já trabalharemos nossos blogs com toda a nossa força.
Vamos iniciar com os trabalhos em power point e movie maker. Seus trabalhos ficaram esposos na forma de links, é só clicar que você irá direto à visualização de seu trabalho. Lembrem: seus trabalhos poderão ser vistos pelo mundo todo, então caprichem.
Com todo o amor que tenho por vocês, Professor Ramon.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Tarefa para próxima aula!!

Galera, não esqueçam de fazer a tarefa de Arte para a aula de 13/02: Página 8, exercícios 1, 2 e 3. Preferivelmente façam as respostas no caderno, pois na apostila fica extremamente espremido.








Adoro essa menina abaixo!




quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008



As Personagens Femininas em Machado de Assis


Maria Lúcia Silveira Rangel


Romantismo – Como Machado de Assis escreveu romances e contos dentro do Romantismo e do Romantismo/Naturalismo, vamos abordar ambas as Escolas de modo breve.
O Romantismo foi uma escola literária determinada pela subida da burguesia ao poder, em conseqüência da Revolução Francesa. Ela devia mostrar através de suas obras, especialmente o romance, que se tornou o gênero preferido pela nova Escola, os valores defendidos pela burguesia – dentro das descrições sensíveis da natureza, a história construída a partir de um eixo narrativo que mostra a idealização de um par amoroso, o qual supera os obstáculos surgidos (sempre carregados de mistério), para chegar ao casamento, ficando preservados nas narrativas os valores tão caros à burguesia – o matrimônio, a religião, a pureza e a fidelidade por parte da heroína, e a nobreza de caráter e a coragem por parte do herói.
O Romantismo estreou no Brasil em 1841 com A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo e viveu no cenário literário até 1881, com as primeiras obras publicadas – Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Joaquim Maria Machado de Assis e O Mulato, de Aluízio Azevedo, dentro do Realismo/Naturalismo, a nova Escola que se seguiu ao Romantismo, opondo-se a ele.
Com o passar das décadas o Romantismo desgastou-se já por sua postura idealizante que dificultava a verossimilhança dos caracteres, já pelo exagero das tramas sentimentais.
Machado de Assis e o Romantismo – Nesse panorama em que ainda reinava o Romantismo, embora enfraquecido pelos fatores mencionados, surge o primeiro romance romântico de Machado de Assis, o qual vinha participando da vida literária desde 1860.
Em 1872, Machado de Assis nos dá Ressurreição, um romance de caracteres e temperamentos, logo seguido por A Mão e a Luva (1874), Helena (1874) e Iaiá Garcia (1878).
Se examinarmos os romances românticos dessa época, sentiremos a discrepância entre eles e os de Machado de Assis.
Entre os românticos, a heroína é construída a partir de cânones que emprestam à figura feminina um papel dependente, não tendo ela ação principal dentro da narrativa, a qual é praticada pelo herói, feito de nobreza de caráter e força.
Em oposição aos autores românticos, Machado de Assis, mesmo preso às características do romance do século XIX, dá às heroínas um relevo cujo perfil vai-se intensificando com o surgimento da narrativa; assim, as personagens femininas machadianas são mais fortes e objetivas, capazes de conduzir a ação, apesar do predomínio da trama romanesca não ter se esvaziado.
Em Ressurreição, as diferenças de temperamento e caráter entre Félix e Lívia impedem o casamento entre ambos, partindo dela o rompimento.
Em A Mão e a Luva, temos em Guiomar um exemplo da mulher que elege Luiz Alves racionalmente, pelo fato de possuir ele as qualidades que lhe permitiam satisfazer suas ambições.
Também em Helena, a heroína se faz passar por irmã de Estácio, a fim de receber parte da herança; mas apaixona-se pelo falso irmão e é correspondida; no final, obrigada a confessar seu embuste, para não passar por uma aventureira, deixa-se morrer.
E ainda em Iaiá Garcia, a personagem mais atuante é Estela, que verdadeiramente conduz a ação promovendo a felicidade dos que a cercam, como Luiz Garcia, Iaiá e Jorge.
Com essas diferenças entre as personagens – de um lado o romantismo idealizado com fraca verossimilhança psicológica das heroínas devido à própria concepção romanesca – as personagens femininas de Machado de Assis apresentam, mesmo não estando à altura das que o autor iria mais tarde produzir, um significado preciso na história do romance brasileiro, alargando as perspectivas do romance, especialmente urbano, com novas aberturas para o romance psicológico, no qual foi mestre sem contestação.
Naturalismo – O Naturalismo chegou ao Brasil atrasado, depois de um longo processo romântico. Ao contrário do Romantismo, que procurou suas origens dentro do próprio país, sendo considerado uma Escola nacionalista, o Naturalismo foi importado da Europa.
No século XIX, temos algumas modificações no panorama sociopolítico e econômico europeu; a economia caminha de mãos dadas com a industrialização progressiva e a vitória total do Capitalismo; o progresso científico, a invenção de novas máquinas e o socialismo utópico criaram o cientificismo geral do pensamento do qual deriva o realismo político, tudo confluindo para a grande luta contra o Romantismo e a derrota final deste; isso, em termos de Europa, porque no Brasil, o Romantismo e o Naturalismo conviveram juntos, sem conseguir resolver a tensão criada entre o real e o ideal, num descompasso típico de uma Escola importada.
Machado de Assis e o Realismo/Naturalismo – Em 1878, em uma resenha, Machado de Assis critica a crueza com que são mostradas as cenas de adultério em O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, publicado dentro dos cânones do Naturalismo português, ao mesmo tempo que apresenta critérios seguros para a nova Escola que se delineava no Brasil.
Com essas diretrizes, Machado de Assis escreve seu primeiro romance realista/naturalista – Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881.
Nessa obra, o autor, definitivamente rompido com o Romantismo, retira de seu estilo tudo que seja enfático ou idealizante. O narrador deixa de ser o omnisciente e a narrativa é feita em primeira pessoa. Machado de Assis procura, não a fixidez psicológica dos personagens para tornar-se verossímil, mas suas sensações e estados de consciência às vezes díspares que acontecem na mente humana. Teve mão leve para não carregar a obra com tons naturalistas, isto é, para não se perder nos determinismos de raça, meio e momento de Taine.
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, temos a primeira personagem feminina construída sob a ótica da nova Escola – Virgília – cujo adultério com Brás Cubas é levado a efeito menos por paixão amorosa e mais pelo sensualismo.
"Achamo-nos jungidos um ao outro com as duas almas que o poeta encontra no Purgatório... e digo mal, comparando-nos a bois, porque nós éramos outra espécie de animal menos tardo, mais velhaco e lascivo." Machado de Assis, 1957, p. 184.
Sem seguir a cronologia de suas obras realistas temos em Capitu de Dom Casmurro (1899) sua principal criação de uma personagem feminina.
Ela é a mais discutida, a mais famosa, e seria repetição falar sobre a grande dúvida em que o escritor deixa o leitor sobre o adultério da esposa de Bentinho – o romance abre-se num leque com opções a favor ou contra o fato.
No entanto, o sensualismo volta a marcar a personagem (especialmente na cena em que Capitu seduz Bentinho), construída com a maior sutileza psicológica, mostra o apelo sexual no comportamento de uma mulher ainda adolescente.
Outra personagem feminina de Machado de Assis é a Sofia de Quincas Borba (1891), romance em terceira pessoa que narra a paixão de morte de um provinciano ingênuo. Nele, Sofia aparece como uma mulher coquette, que seduz o pobre Rubião, escudada nos interesses do marido para depois abandoná-lo em sua demência e ruína.
Já Fidélia de Memorial de Aires (1908) é contida; viúva, guarda o mais que pode a memória do marido; mas aceita casar-se com Tristão; Fidélia, mesmo sem ser provocante como as demais heroínas, aprecia o estado do matrimônio.
Através dessas quatro personagens, sentimos que Machado de Assis, para aprofundar suas criações femininas, tornando-se verossímeis e plenas, dotou-as de forte passionalidade que vai ser usada como realização sexual dentro do casamento, como no caso de Fidélia, ou fora dele, como é o caso de Virgília e Capitu; ou ainda como um recurso para a realização de suas ambições materiais em Sofia.
Outras personagens – Queremos assinalar mais algumas figuras femininas que se destacam nos admiráveis contos de Machado de Assis que, além de ser o maior romancista da Literatura brasileira, também é seu principal contista.
Assim, entre seus contos, encontramos personagens bastante significativas, como a ambígua Conceição de Missa do Galo; a caprichosa D. Benedita do conto homônimo; a perfeccionista Maria Regina de Trio em Lá Menor; o conjunto delicioso das Cinco Mulheres, publicado ainda em 1865, no Jornal das Famílias.
Eis aí um breve e modesto apanhado das principais figuras femininas que se movimentam na obra de Machado de Assis, tanto em sua fase romântica como em sua fase realista/naturalista.

Matéria publicada na LB – Revista Literária Brasileira, nº 17; reproduzida sob autorização de seu editor, Aluysio Mendonça Sampaio.